Há alguns anos, a Dra. Kim Lori Sandler percebeu que muitos pacientes recém-diagnosticados com câncer de pulmão nunca tinham feito o rastreamento da doença — só fizeram uma tomografia computadorizada porque estavam sintomáticos.
Mas a Dra. Kim, que é radiologista no Vanderbilt University Medical Center nos Estados Unidos, pôde ver nos prontuários médicos que a maioria desses pacientes poderia ter feito um rastreamento antes de apresentar sinais e sintomas. No caso das mulheres, a maioria já fazia mamografias há décadas. A médica vislumbrou uma oportunidade e iniciou um estudo para descobrir se uma intervenção funcionaria.
Os serviços de tomografia computadorizada de baixa dose e mamografia geralmente estão disponíveis no mesmo centro de diagnóstico de imagem, de modo que as mulheres que tinham indicação de rastreamento de câncer de pulmão faziam o exame durante a consulta da mamografia. O número mensal de exames do pulmão entre as mulheres aumentou 50% em uma unidade e 36% em outra, em um período de três anos.
“O que descobrimos é que as mulheres são realmente receptivas [ao rastreamento] se conversamos com elas sobre isso”, disse Dra. Kim. “Acho que o câncer de pulmão não é considerado uma doença que acomete as mulheres.”
Embora o câncer de pulmão seja a principal causa de morte por tumores nos EUA, um estudo recente publicado no periódico JAMA Internal Medicine descobriu que apenas 18% dos pacientes elegíveis foram rastreados em 2022, muito longe dos 72% para câncer de cólon — que ainda fica abaixo das metas de grupos médicos estadunidenses, como a American Cancer Society (ACS).
Entre os pacientes elegíveis, o número de exames pulmonares foi mais baixo entre os mais jovens sem comorbidades, os que não tinham plano de saúde ou uma fonte de referência de atendimento, e os que viviam nos estados do sul dos EUA e em estados que não expandiramo alcance do Medicaid — plano de saúde voltado a pessoas de baixa renda — como parte da lei Affordable Care Act, que determinou a ampliação do acesso à saúde no país.
Mas pesquisadores e médicos, desde os que trabalhavam em um centro de saúde urbano para a população de rua até os que atuavam em clínicas nos municípios mais pobres da região do “cinturão do tabaco”, usaram estratégias para aumentar o rastreamento do câncer de pulmão.
Fazer com que os pacientes realizem o rastreamento salva vidas: 27% das pessoas com câncer de pulmão vivem cinco anos após o diagnóstico. Mas a sobrevida sobe para 63% quando os casos são diagnosticados em estágio inicial.
Aumento da aceitação
A recomendação formal de fazer a tomografia computadorizada de tórax de baixa dose para rastrear o câncer de pulmão tem apenas uma década. A estratégia foi endossada pela primeira vez pela Preventive Services Taskforce (USPSTF) dos EUA, segundo um estudo importante que descobriu que esses exames estavam ligados a uma redução de 20% da mortalidade pela doença. As diretrizes da USPSTF, atualizadas em 2021, exigem o rastreamento anual das pessoas com idade entre 50 e 80 anos com 20 maços-ano e que atualmente são tabagistas ou cessaram o tabagismo nos últimos 15 anos.
Mas implementar a recomendação nem sempre é simples. Diferentemente do rastreamento do câncer colorretal ou do câncer de mama, recomendados principalmente pela idade do paciente, a elegibilidade para o rastreamento de câncer de pulmão requer o cálculo de maços-anos de tabagismo e, para os ex-tabagistas, saber quando deixaram de fumar.
Os campos estruturados na maioria dos prontuários eletrônicos indagam sobre o uso atual ou pretérito de tabaco e o número de maços fumados por dia. Mas poucos prontuários eletrônicos podem calcular quando um paciente começa a fumar dois cigarros por dia, e a seguir aumenta para um maço por dia e reduz novamente. Os prontuários eletrônicos também não registram quando o paciente parou realmente de fumar. Cada médico ou sistema de saúde deve identificar os pacientes elegíveis para o rastreamento, mas a falta de cálculos automatizados dificulta muito esse trabalho.
A Dra. Kim e seus colaboradores recorreram à equipe de informática da Vanderbilt para criar um método de processamento de linguagem natural que extrai dados sobre o tabagismo diretamente das anotações clínicas no prontuário, em vez de usar as variáveis padronizadas dos prontuários eletrônicos.
O número de pacientes identificados como tendo indicação de rastreamento por meio do algoritmo quase dobrou em relação ao início, de 5.887 para 10.231 em um período de três anos, segundo os resultados de outro estudo publicado pela Dra. Kim.
Embora o algoritmo possa ocasionalmente sinalizar alguém que não precisa de rastreamento como tendo indicação, “é sempre possível conversar com o paciente para determinar se ele realmente corresponde aos critérios de elegibilidade”, disse a Dra. Kim.
Navegadores de pacientes podem ajudar?
Há cerca de uma década, o Dr. Travis Baggett, médico e professor associado de medicina interna na Harvard Medical School nos EUA, recebeu um financiamento-piloto da American Cancer Society para estudar a epidemiologia do câncer entre os pacientes do Boston Health Care for the Homeless Program (BHCHP), que atende cerca de 10 mil pacientes por ano em diversas clínicas na região de Boston.
“Descobrimos que a incidência e a mortalidade por câncer de pulmão eram mais de duas vezes maiores do que na população geral”, disse o Dr. Travis, que também é diretor de pesquisa no Boston Health Care for the Homeless Program.
O professor também descobriu que os pacientes do programa tiveram diagnósticos de tumores, como câncer de mama e câncer colorretal, em estágios significativamente mais avançados do que a população geral.
O rastreamento do câncer de pulmão era uma recomendação nova na época. Com financiamento adicional da American Cancer Society, ele iniciou um ensaio clínico em 2020 no qual os pacientes elegíveis para rastreamento do câncer de pulmão foram randomizados para trabalhar com um navegador de pacientes ou receber o atendimento habitual.
Os navegadores aliviaram a carga de trabalho dos médicos do atendimento primário: facilitaram consultas para tomada de decisões compartilhadas, ajudaram os participantes a marcarem e comparecerem aos procedimentos de tomografia computadorizada de baixa dose, ajudaram no transporte e organizaram o acompanhamento conforme necessário.
Com duração de três anos, o estudo descobriu que 43% dos pacientes que receberam serviços de navegação fizeram o rastreamento do câncer de pulmão versus 9% no braço do atendimento habitual. Os participantes disseram que os navegadores desempenharam um papel crucial em orientá-los sobre a importância do rastreamento, na logística do atendimento e no acolhimento e apoio emocional.
“Na raiz de tudo, ficou bem claro que uma das coisas que tornou a atuação do navegador bem-sucedida foram as qualidades interpessoais e a presença de alguém em quem o paciente pudesse confiar para ajudar a orientá-lo durante o processo”, disse Dr. Travis.
O programa de navegação, no entanto, parou quando o financiamento para o estudo terminou.
Mas outro sistema de saúde implementou navegadores de forma sustentável por meio de um projeto de melhoria da qualidade. O médico, Dr. Michael Gieske, diretor de rastreamento do câncer de pulmão da St. Elizabeth Healthcare em Edgewood, nos EUA, inicia suas manhãs de sexta-feira em reunião com um grupo multidisciplinar com um cirurgião torácico, um radiologista, um pneumologista e várias enfermeiras navegadoras de rastreamento. Eles revisam as tomografias computadorizadas de tórax da semana, com aproximadamente um terço dos pacientes que foram submetidos ao rastreamento do câncer de pulmão.
Os enfermeiros navegadores da St. Elizabeth Healthcare acompanham qualquer paciente cujo exame seja suspeito de câncer de pulmão e os orientam no processo de consulta a especialistas e na obtenção de outros exames.
“Em essência, os navegadores dão a mão para o paciente durante esse período assustador das suas vidas e asseguram que tudo flua de maneira suave e eficiente”, disse o Dr. Michael, que é médico de família.
O programa de St. Elizabeth também se fundamenta em várias estratégias baseadas em evidências usadas por outros programas de rastreamento de câncer, como a orientação dos pacientes e dos profissionais de saúde, e o oferecimento de um feedback trimestral aos seus 194 médicos do atendimento primário sobre os números de rastreamento de câncer de pulmão entre os pacientes elegíveis.
Vários requisitos para obter reembolso de um rastreamento de câncer de pulmão dos Centers for Medicare and Medicaid Services dos EUA também podem ser barreiras para o rastreamento dos pacientes: os médicos precisam identificar quem é elegível, fazer a orientação para a cessação do tabagismo e documentar o processo da tomada de decisão compartilhada.
Para agilizar as etapas, os médicos do St. Elizabeth usam um conjunto inteligente de prontuários eletrônicos que lembra os médicos de verificar a história de tabagismo e os ajuda a documentar a orientação necessária.
No ano passado, 47% dos pacientes elegíveis fizeram o rastreamento indicado, e o Dr. Michael disse que espera que esse número cresça.
“Este ano estamos no caminho certo para completar a adesão de 60%, se os trabalhos continuarem”, disse o médico, acrescentando que 76% dos novos casos de câncer de pulmão agora são diagnosticados no estágio I, com apenas 5% diagnosticados no estágio IV.
O Dr. Michael compartilhou sua experiência com muitas clínicas na região dos Apalaches, onde há um dos maiores índices de morte por câncer de pulmão dos EUA. Uma parte importante de seu papel na Appalachian Community Cancer Alliance é ajudar a orientar os médicos do atendimento primário na região sobre a importância da detecção precoce da doença.
“Acho que uma das coisas mais importantes é transmitir uma mensagem de esperança”, disse o médico. “Estamos tentando divulgar a boa notícia de que, se as pessoas fizerem o rastreamento, a doença vai ser detectada mais cedo, quando ainda existe uma chance extremamente alta de cura do câncer de pulmão.”
O Dr. Travis Baggett informou que recebeu o apoio de doações da American Cancer Society e do Massachusetts General Hospital Research Scholars Program. Bandi, Dra. Kim Lori Sandle e Dr. Michael Gieske informaram não ter conflitos de interesses.
Bibliografia: https://portugues.medscape.com/verartigo/6511380