Poucos anos depois de alguns vídeos do TikTok terem aumentado a demanda, um em cada oito adultos dos Estados Unidos experimentou Ozempic (semaglutida) ou outro medicamento de sua classe. Os medicamentos agonistas do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) revolucionaram a medicina da obesidade.
Mas eles não estão isentos de problemas. Nos primeiros dias da febre das mídias sociais, as notícias frequentemente mostravam pacientes cujos efeitos colaterais gastrointestinais os levavam ao pronto-socorro.
“Acontecia muito naquela época. Os pacientes não queriam reclamar porque estavam perdendo peso e acabavam no pronto-socorro com constipação extrema ou obstrução do intestino delgado”, disse a Dra. Caroline Apovian, médica, codiretora do Center for Weight Management and Wellness do Brigham and Women’s Hospital e professora de medicina na Harvard Medical School, nos Estados Unidos. “Mas isso não está acontecendo muito atualmente”, ela acrescentou.
Pesquisas respaldam sua afirmação: uma revisão clínica recente de estudos constatou que muitos pacientes ainda apresentam efeitos colaterais, mas apenas em um nível leve a moderado, quando a dosagem aumenta — e o desconforto diminui com o tempo. Aproximadamente 7% dos pacientes suspendem os medicamentos devido a esses sintomas.
Veja o que as pesquisas mais recentes mostram sobre os efeitos colaterais dos agonistas de GLP-1.
Mais comum: problemas gastrointestinais
Dependendo do sintoma e do medicamento específico, de um terço a metade dos pacientes apresentarão algum tipo de problema gastrointestinal.
- Nessa revisão clínica, que analisou estudos de três medicamentos agonistas de GLP-1 — semaglutida (Ozempic, Wegovy, Rybelsus), liraglutida (Saxenda, Victoza) e tirzepatida (Mounjaro, Zepbound) —, os usuários de semaglutida tiveram resultados comparativamente piores.
- Náuseas foram relatadas com mais frequência — 44,2% dos usuários de semaglutida tiveram esse sintoma, em comparação com 40,2% para liraglutida e 31% para tirzepatida. Diarreia, constipação e vômitos também atingiram de um quarto a um terço dos pacientes que faziam uso de semaglutida, e um pouco menos para os pacientes utilizando os outros dois medicamentos.
A Dra. Caroline acredita que um controle cuidadoso das doses ajuda seus pacientes a evitarem os piores efeitos.
“Não sabemos quem vai se sair bem e quem não vai”, ela disse. “Começamos devagar, e geralmente as coisas vão bem.”
Se o paciente reagir mal, ela adiará o aumento da dosagem até que ele se acostume e aconselhará o uso de medicamentos de venda livre, como laxativos, para tratar os sintomas.
Poucos eventos gastrointestinais adversos graves documentados apareceram nos dados, afetando menos de 1% dos pacientes de liraglutida e tirzepatida, e 2,6% dos usuários de semaglutida. A maioria desses eventos foi relacionada à vesícula biliar.
Perguntas sobre causalidade: depressão e suicídio
Cerca de um ano atrás, um estudo usou dezoito anos de dados do Adverse Event Reporting System (FAERS) da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para examinar a frequência com que os pacientes relataram ideação suicida e/ou depressão ao usar medicamentos agonistas de GLP-1.
Em comparação com metformina e insulina, os pesquisadores encontraram relatos desproporcionais em pacientes usando semaglutida e liraglutida. Outros medicamentos agonistas de GLP-1 não mostraram esse efeito. Os pesquisadores apontaram: essas estatísticas não mostram causalidade — não há uma razão clara para que esses dois medicamentos tenham sido associados a mais relatos.
Pesquisas posteriores foram mais tranquilizadoras:
- Outro estudo também usou o FAERS, mas analisou apenas dados de 2018 a 2022, período em que o uso dessas medicações estava aumentando, e não encontrou nenhuma associação entre comportamentos suicidas ou autolesivos e agonistas de GLP-1.
- Um recente estudo de coorte, que analisou dados de quase 300.000 pessoas, descobriu que os usuários de agonistas de GLP-1 não estão sob maior risco de morte por suicídio.
- Tanto a FDA quanto a European Medicines Agenc y emitiram declarações de que as evidências não sustentam uma associação causal.
Há vários fatores em jogo. Pessoas com obesidade e diabetes são mais propensas a ter depressão. E, mais importante, mesmo que haja uma relação, a causalidade permanece obscura.
Por exemplo, pacientes que perdem peso por meio de cirurgia bariátrica têm maior risco de depressão, abuso de substâncias e automutilação. Esses sintomas podem estar relacionados à perda de peso em si, não a medicamentos.
“Algumas pessoas usam a comida como algo além de fonte de nutrientes. Elas usam a comida para aliviar outros problemas psicológicos”, disse a Dra. Caroline. “Quando isso é tirado, os problemas psicológicos ainda estão lá.”
Em sua prática, ela observou que o risco de problemas de saúde mental aumenta com perdas de peso mais substanciais — de 22 a 45 kg.
Essa falta de clareza quanto à causalidade significa que é importante realizar um levantamento detalhado do histórico do paciente antes da prescrição dos medicamentos, para que se possa monitorar mais de perto os transtornos psiquiátricos preexistentes.
Possível associação: sintomas oculares
Tampouco a esse respeito a pesquisa é definitiva, mas ao menos não se inclina para qualquer associação clara. Vários estudos buscaram uma associação entre agonistas GLP-1 e problemas relacionados à visão:
- Um examinou os dados do FAERS e a farmacologia da rede e constatou que a semaglutida e a lixisenatida estavam significativamente associadas a eventos adversos como visão turva, deficiência visual e retinopatia diabética.
- Em julho deste ano, um estudo de coorte de quase 17.000 pessoas com diabetes ou sobrepeso/obesidade sugeriu uma associação entre a semaglutida e a neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica, uma causa comum de cegueira devido a lesão no nervo óptico. O estudo mostrou “um risco substancialmente aumentado da doença entre indivíduos que receberam prescrição de semaglutida em relação àqueles em uso de outros medicamentos para tratar diabetes tipo 2 e obesidade ou sobrepeso”.
- Mas em novembro, outro estudo de coorte com 135.000 participantes analisou a neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica em pessoas com diabetes tipo 2, obesidade ou ambos. Ele comparou os resultados com medicamentos comuns não agonistas de GLP-1 e constatou exatamente o oposto: nenhum aumento de risco para a doença.
Uma desvantagem de todos esses estudos é que eles são baseados em grandes bancos de dados em vez de ensaios clínicos randomizados. Quando pesquisadores se concentraram em ensaios clínicos randomizados em uma metanálise de 2023, eles encontraram uma associação significativa com apenas um tipo de agonistas de GLP-1, a albiglutida — que foi retirada do mercado em 2017. Os outros seis medicamentos aprovados pela FDA não mostraram qualquer associação estatisticamente significativa.
Possível problema: aspiração pulmonar sob sedação
No início deste mês, a FDA atualizou a orientação de rotulagem para semaglutida, liraglutida e tirzepatida no sentido de incluir um aviso sobre o risco de aspiração durante cirurgias. Embora não haja estudos publicados, existem vários relatos de casos.
Os medicamentos agonistas de GLP-1 atrasam o esvaziamento gástrico, então, mesmo que um paciente possa ter jejuado antes da cirurgia como de costume, algum alimento ou líquido pode permanecer. Em resposta a essa possibilidade, um grupo de associações médicas emitiu diretrizes para o uso desses medicamentos durante o período perioperatório. Elas incluem:
- Consideração de dosagem, sintomas e outras doenças: O risco é maior durante a fase de escalonamento e, em geral, doses mais altas significam maior risco.
- Possível interrupção do uso dos agonistas de GLP-1 quando a avaliação mostrar um risco elevado.
- Avaliação no dia do procedimento para possível retardo no esvaziamento gástrico.
- Modificações alimentares pré-operatórias, que podem incluir a mudança para uma dieta líquida.
Raro: efeitos graves
E então há os outliers (pontos fora da curva), os problemas assustadores que ganham as manchetes. Por si só, nenhum deles é comum o suficiente para afetar a consideração do uso de agonistas de GLP-1:
- Estudos em ratos sugeriram um risco aumentado de câncer de tireoide, mas pesquisas subsequentes não encontraram evidências.
- Isquemia cólica associada à tirzepatida.
- Pancreatite aguda que leva à morte em associação com semaglutida.
- Por falar em pancreatite, essa revisão clínica de estudos constatou que tanto a liraglutida quanto a semaglutida levaram a um risco elevado de pancreatite, obstrução intestinal e gastroparesia. Mas os números eram tão pequenos que podem ser considerados insignificantes — por exemplo, apenas 0,2% dos pacientes apresentaram pancreatite.
Os benefícios superam os riscos
Quando você coloca esses efeitos colaterais contra os inúmeros benefícios conhecidos da perda de peso e do controle da glicemia — diminuição do risco de hipertensão, doença cardíaca, acidente vascular cerebral, síndrome metabólica, doença hepática gordurosa, vários tipos de câncer e mais —, as vantagens dos medicamentos agonistas de GLP-1 parecem evidentes. Em última análise, é claro, é decisão do paciente começar e continuar tomando qualquer medicamento para uma doença crônica.
A Dra. Caroline recomenda conversas aprofundadas antes da prescrição da primeira receita — ela compara a situação ao uso de um medicamento anti-hipertensivo. Se o paciente entender os potenciais efeitos colaterais, é mais provável que ele mantenha a adesão a longo prazo.
“Nós educamos nossos pacientes sobre como usar esses medicamentos indefinidamente, caso se queira manter um peso corporal mais baixo e saudável”, ela disse. “Eu não vejo pacientes que param de usá-los, mas eles estão por aí. São pessoas desesperadas para perder peso, que não recebem educação para entender que estamos tratando uma doença. Não é uma questão de força de vontade.”
E quando um paciente começar a tomar um GLP-1, monitore-o de perto, com consultas presenciais em vez de telemedicina, enquanto aumenta a dosagem. Se ele apresentar efeitos colaterais, mantenha nesse nível até que eles diminuam. E se o paciente tiver uma boa resposta de perda de peso com uma dose menor, mantenha assim. Só porque você pode aumentar a dose, não significa que você deva fazê-lo.
Bibliografia: https://portugues.medscape.com/verartigo/6512063#vp_1